Daisy Serena é artista visual e escritora. Autora de Tautologias (Padê Editorial, 2016). Exposições: FotoPreta (Afrotometria, 2018 e 2020); Ocupação Olhares Inspirados: Raquel Trindade (2021), Studio Solaura (Berlim, 2022), Afeto e Memoria (2023). Outras Publicações: Menelick 2º Ato, Doek! (Namíbia), Garupa, Escamandro, Chão da Feira, Ruído Manifesto, Feminist Press.
GÊNESIS
I
toco seu coração
com a ponta do sol em meus dedos
um movimento tão simples
ninguém diria que dele se fundou
toda escuridão
II
depois, foi assim
no começo do princípio
a noite escura reuniu
o calor àqueles corpos
espraiados sobre o dorso
de trezentos sussurros
III
sem quaisquer escrituras
atravessamos florestas e dunas
dançando nossa cosmologia
feito comida de comer com
as unhas
(cada movimento um punhado de
histórias nas bocas quentes de
fogueira)
IV
nunca se soube de palavra pecado
pois nada se criou do escuro para ser
condenado
(black is a bless
bençãos e axé)
V
tateio sua língua estrelar
e o futuro é nosso passado
todo transcrito nesse sabor
VI
carregar os tons das noites é nossa maior origem.
VII
passeio meu rosto em sua pele
decorando seus olhos fechados
assim, fez-se a manhã.
no puerpério da alvorada a
escuridão descansou (era o sétimo dia.)
DOMINGO
ainda, às vezes,
levar uma solapada à tardinha,
aos domingos
faz lembrar uma tal vida comum,
melancolia despropositada
cafezinho, docinho,
aquele vento de surpresa obriga segurara saia
entre os joelhos acinzentados
é tão bonito,
nem parece o mundo se acabando
fogo se espraiando dentro do ferro fundido.
camadas de derme e saudade
mais abaixo,
florestas que os homens bons soterraram
até sobrar apenas o esquecimento da folha
cimento e piche sobre sangue
a técnica (é sempre) mista.
Desenho de Ariyoshi Kondo.